terça-feira, junho 19, 2007

GRAMÁTICA

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação; os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: óptimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a movimentar-se: Só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela no seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram no diálogo, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo o seu ditongo crescente: abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula: ele não perdeu o ritmo e sugeriu um longo ditongo oral, e quem sabe, talvez, uma ou outra soletradela no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois géneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com o seu predicativo do objecto, ia tomando conta dela inteira. Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão a forçar aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu-se repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjectivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica o verbo auxiliar diminuiu os seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois olharam-se, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar entusiasmou-se, e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontando para os seus objectos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que se poderia transformar num artigo indefinido depois dessa, e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela, e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

"E ainda se diz que o Português é monótono"

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