sexta-feira, fevereiro 02, 2007

TRISTEZA

Há uma terra em que as letras contam, são importantes como a água, são a própria água, porque as bebem em goles. Cada palavra é um gole que mata a sede. Há quem as junte num copo e sacie o desejo com várias frases, pequenos textos. Há quem as beba por prazer, e quem se satisfaça simplesmente por molhar os lábios.
Há lagos de letras, rios e mares, salgados ou doces. Uns tiram-nas da torneira, outros compram-nas engarrafadas, ao litro. Há letras em lençóis, debaixo dos nossos pés, e há letras que caem do céu, dispersas como gotas, sem sentido aparente. Aparente ao princípio. Se formos pacientes, veremos como se organizam e tornam coerentes, como se juntam em pequenos regatos com muito para dizer.
Há quem viva só porque as letras aí estão, para serem bebidas. Alguns ganham a vida a juntar as gotas. Alguns são capazes de transformar um orvalho matinal num riacho fresco em pleno verão. Alguns, só alguns, poderão domar um oceano tempestuoso, dar a volta ao mundo numa jangada feita de frases. Porque os homens são feitos de letras, mas não são capazes de se ordenar em palavras. Uns são apenas vogais, definem-se em cinco pancadas, sem sequer mexer a língua. Outros, consoante, se são sofisticados e sem complexos vernaculistas, usam o «capa», o «dabliu» e o «ipselon», ou, os mais apegados à tradição, que tanto se lêem com «cê» de cão, como com «cê» de sapato. E ainda os que se atrevem a misturar os estilos, a fazer sentido, a tentar descodificar os homens, a dar vida às letras, para que as possam beber.
Há uma terra em que as letras contam, porque são necessárias como o ar, são contadas, são gente, porque as respeitam. Cada palavra é um membro com veias e sangue. Há quem as junte num corpo e as veja crescer e ser pessoa. Pessoas. Há quem tenha orgulho nas palavras que escolhe para o corpo, e quem se contente com duas pernas, dois braços, um par de calças e uma camisola para os cobrir. Há quem seja letra, e quem queira ter letra.
Há vezes em que fechamos os olhos e o negro são letras. Outras há em que os sonhos são palavras, e, quando acordamos, de olhos bem abertos, a realidade são letras. Porque o sonho é possível, como a fábula é possível, por palavras, no escuro. Porque a realidade é inevitável, como os homens são inevitáveis, letras dispersas, na claridade.
Há uma terra em que o escuro e a claridade são um só, pois as letras são água e ar. Em que o sonho e os homens são palavras, porque um é aquilo que os outros querem, e as letras são o elo.
Nesta terra nunca ninguém morreu de sede. Nesta terra respira-se ar fresco.
Pois se cada página é um rio cada linha é uma brisa.
Hoje perdi um dos melhores amigos do Homem. O meu Dalmata morreu, por velhice, por doença, e inocentemente qual criança acreditava ser possível evitar o inevitável... até ao último instante... busco o consolo e o colo em ti... fazes-me bem... e mesmo ausente fisicamente sinto neste instante o teu abraço, o teu afago das lágrimas que brotam do canto dos meus olhos. Sei-te aqui neste instante e fazes-me bem...

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou aqui quando e sempre que tu precisares de mim mesmo que a distância exista. E estas não são meras palavras.

Amo-te
Kicas