E assim o fiz, no vazio que me atormenta, me empurra de encontro ao chão que os sapatos pretos pisam, sinto-me sem forças, não consigo mesmo pensar e apenas me rastejo por entre as ruas da cidade que me levam de beco em beco à procura de uma luz, de uma mão que me traga as respostas às perguntas que já esqueci. As lágrimas lavaram-me o discernimento enquanto o tempo passa e estas paredes que me passam ao lado, de passeio em passeio, as paredes de amor que construímos caíram, tijolo a tijolo, um a um, numa destruição lenta e sofrida a cada visita ao teu olhar cerrado que admirei de perto, mesmo ao teu lado, não sou tão forte quanto pensava.
- Mas que egoísta é este em que te tornaste?!!!! – Exclamei em voz alta afastando as lágrimas do rosto que caíam na laje fria e cinzenta do passeio que contrastava com o reflexo doirado do sol no fim de um dia de Outono, e as folhas caídas, castanhas quentes de uma outrora árvore carregada de vida. Olhei de lado e as pessoas passavam por mim e olhavam-me com uma frieza estranha, um desdém que se sentia na pele. Pensavam que seria apenas mais um dos muitos menos afortunados desta cidade implacável e que por aí deambulavam a falar sozinhos numa busca interminável pelo fim do mundo.
Retornei ao estúdio, claramente uma das vantagens de ser freelancer num mundo cheio de relógios de ponto podendo assim escapar para aventuras no tempo que de outra forma se fariam apenas no imaginário.
Subi as escadas. Sentia-me com vontade de me castigar pelo egoísmo momentâneo mas sabia que enquanto Homem, haveria de existir sempre lugar para momentos desses. Tinha 96 fotografias para revelar de uma reportagem que iria ser feita por um colega e amigo jornalista sobre as ruas desta mesma cidade. Achei interessante o trabalho, a possibilidade de olhar pela lente da minha câmara os mesmos olhares que passam por mim, mas que se tornam diferentes quando pintados de repente, olhares honestos, ruas que se fazem vielas no tempo e onde o espaço se torna cheio de sentires e os cheiros se sentem, quentes, olho as janelas e encontro aventuras, mistérios loucos imaginamos desvendáveis só por dizer.
A meio do prédio e ainda subindo as escadas, vejo a descer pelo ascensor uma figura proeminentemente feminina, embora com a face escondida por entre os vidros foscos pelo tempo, era visível a sua silhueta de mulher e de cabelos compridos. Era raro encontrar uma mulher neste prédio. Chegado a porta do estúdio, procuro a chave por entre os bolsos do casaco que me acompanha sempre a cada jornada do despontar do dia nesta estação. O frio aqui na cidade faz-se sentir cada vez mais a cada dia, fazendo-me por vezes recordar as gélidas noites da savana quando com Raquel nos aventurávamos a escapar da sua unidade militar para admirar a paisagem inigualável de África. Recordo-me do fogo que nos invadia a alma e o corpo quando estendidos por entre a folhagem, não precisávamos de falar, os olhos soltavam palavras, sentimentos que não se faziam ouvir, os olhos falam e amam, as mão subiam e avançavam por entre os corpos que sulcando cada pedacinho de pele, se sentia o arrepio do coiote que ao longe uivava à sua musa que todas as noites subia ao estendal do horizonte e o inspirava na sua balada.
Abri a porta e encontrei de novo um envelope no chão. Peguei nele, de novo sem remetente ou destinatário. Virei costas e mesmo deixando a porta aberta zarpei como um louco pelas escadas, galgando degraus como se fosse uma chita em pleno acto de caça, predador que busca a sua presa que certamente descia pelo ascensor. Ofegante e a transpirar cheguei finalmente ao término daquela longa viagem, o ascensor vazio oferecia-me uma caçada infrutífera. A silhueta misteriosa que certamente me teria deixado aquele envelope era já uma das muitas que se misturava na multidão das ruas lá fora.
Cabisbaixo iniciei nova jornada escadas acima, nem sequer coloquei a hipótese de ir de boleia no ascensor. Algo me fazia crer que necessitava de tempo até ao recôndito do meu estúdio. Sem qualquer traço que me deixasse alguma indicação no envelope e sem mais tempo ou cuidado rasguei as suas margens. Desta vez, uma folha de uma árvore, velha, vincada no seu espaço e no seu tempo, sentia na sua textura as rugas do Outono e o cheiro a lareiras nocturnas. Não percebia o seu significado, por isso deixei-a de lado para deliciar a minha curiosidade nas letras e palavras que ali se ofereciam naquele pedaço de papel.
“Esperei-te à porta e não me beijaste, amuei. Falei contigo e tu não me respondeste, desgostei. Sorri-te e tu não me sorriste, chorei. Olhei-te e tu não me olhaste, desesperei.
Disse que te amo e tu não me ouviste, desanimei. Toquei-te e tu não me sentiste, sofri. Insinuei-me e tu não me deste atenção, agonizei.
Desperta-me, não me deixes dormir, despe-me a pele, abraça-te à minha alma, acorda-me com as tuas mãos, estimula-me os sentidos com a tua boca, olha-me nos olhos e leva-me para dentro de ti, aviva-me o fogo, atiça-me o desejo, acende-me o Amor imenso que tenho dentro, a minha pele arde por um toque teu, os meus seios esperam-te, o meu corpo quer-te, as minhas mãos procuram-te, chega-te a mim, quero fazer amor contigo mais uma vez, a última vez.
Eu repousava num mundo diferente, sonhava sonhos que não sabia, esperava-te sempre andando, porque não sabia que estavas aqui, tão perto.
Chegaste trazido pelas tuas asas de Luz e pousaste em mim, trespassaste-me com a intensidade dos sentimentos sonhados, guardaste-me para sempre no nosso Amor, olhaste-me e beijaste-me, prendi-te para sempre no meu coração, na minha alma, no meu ser.
Fazes parte de mim por esta eternidade que me leva para parte incerta...
Procuro-te...
Onde estás?”
(Continua...)
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