Foram estas as primeiras palavras soltas por entre a húmida manhã que se fazia sentir. Sentei-me na cama, pés descalços poisados no parquê de madeira ainda à dias composto de uma inundação no quarto vinda do andar de cima. Se ao menos ainda tivesse estado em casa nesse dia, mas minha presença era necessária noutro local. Não era dificíl adivinhar qual a ocupação que me levaria a estar ausente mais de metade da minha vida. Basta olhar nas maquetes e fotografias espalhadas pela casa, umas a cores, fantasiadas na realidade pelas cores do tempo e outras a preto mascarado com o branco, são estas últimas que nos trazem os sentimentos profundos e nos levitam a alma para um mundo perdido.
Levantei-me… eram sete horas e um quarto e dali a pouco a padaria abriria. É lá que me sirvo do pequeno-almoço. Pão quente com manteiga derretida e um café preto sem açucar. Saudável ou não porque importa por agora. Tempo houve que o servia na cama. O olhar cabisbaixo anuncia a tristeza e quando a saudade espreita em lugares inesperados, eu escondo-me dela, procuro refúgio longe dos resquícios de ti, que ainda guardo em mim e que o tempo ainda não levou. Hoje a realidade separa-nos e eu continuo ainda a confundir a realidade com a ilusão. Como será possível alguém ter deixado tais marcas que ainda hoje, só, sinto o perfume das palavras e o encanto daquela voz.
Um estalo… tinha de acordar. De nada adiantaria estar ali, parado a olhar pela janela o dia que agora nasce, e do céu desponta o sol que me aquece o peito desnudado. Mas também não era necessário bater em mim com tal vigor… esta doeu.
Já arranjado, jeans vestidos, camisa preta às riscas brancas, casaco de couro preto e camara e estojo ao ombro, oculos de sol, desci pelas escadas e entrei na padaria. Abri a porta e deparei com o tufão quente que se fabrica ali, um ambiente acolhedor, rústico mas decente “-Bom dia! O normal sim?” uma das claras vantagens para quem gosta de manter o seu acordar tipicamente metropolitano. Basta aparecer uns dias seguidos no mesmo local que o normal pedido de pequeno-almoço se transforma na frase “o normal”.
A sós comigo, tapo-me com a ausência, dou descanso ao corpo inquieto e sedente pelo teu e tento apagar da pele a lembrança dos teus beijos molhados de paixão. Relaxo os músculos e bebo um pouco do meu café amargo mas mascarado com o sabor do leite. O meu olhar cansado não disfarçava. Tinha sido uma noite longa e cansativa. Desperto das memórias esquecidas envolvo-me pelos aromas e sabores que aquela manteiga derretida se faz pelo meu paladar.
(Continua...)
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