sexta-feira, dezembro 21, 2007

III - DESPERTAR

Na caminhada, as folhas caídas que piso pela calçada são como estrelas da saudade dos passeios a dois. Continuo a percorrer as avenidas, golas do casaco subidas porque o tempo mostra o seu vigor e o frio, apesar do sol, vinca-se-me na pele como as tuas unhas se faziam por entre carícias ousadas.

Mantenho-me fiel ao percurso. Invento o som dos meus passos e sigo os teus como se uma brincadeira de crianças se tratasse. Dobro a esquinha e vislumbro a fachada da tua essência. A fonte onde outrora afogamos a sede por entre sussurros de loucas fantasias que o devaneio nos punha na boca. Magia deliciosamente ardente. Está frio, sim o vento congela-me o pensamento que tarde em te levar de mim, provavelmente não o desejo, mas… continuo a andar, passo acelerado por entre a multidão. Nestes dias de outono gosto de me misturar com as pessoas, provar-lhes o sentimento do seu rosto, sentir os cheiros da cidade que sempre se mudam para algo de novo, e as manhãs se transformam no alvorecer de uma vida nova.

“-Bom dia!” – todos os dias a mesma cara, o mesmo segurança. O prédio, o número 19 da Avenida dos Combatentes era já antigo mas nem por isso perdia o seu encanto. A fachada simples de pedra escurecida pelo tempo contrastava com o envidraçado moderno que ali havia sido colocado aquando a sua restauração. Servia os meus intentos perfeitamente. Subi ao último andar onde entrei no meu improvisado estúdio. Era ali que muita da magia se fazia, onde a febre da ansiedade do que havia capturado no tempo com a minha câmara, se apresentava ao mundo delimitado por horizontes oblíquos mas sem nunca perder a sua essência.

O correio havia sido deixado por debaixo da porta. Um trabalho a ser feito dali a 5 dias para um jornal local, as contas do costume e um envelope sem remetente e destinatário. “-Estranho!” não pude conter a exclamação em voz alta. Arrumei todas as restantes cartas atirando-as para o chão e delicadamente fui vincando o envelope, abrindo-o sem o danificar. Perfume, sim aquele papel estava perfumado. No topo da folha uma frase… “O que os teus olhos captam, minha péle sente…”. Estava escrito de uma forma solta, leve, alguém sem compromisso na sua escrita. Fiquei ainda mais curioso e começei a ler o texto:

Oiço o movimento do roçar alucinado, a pele que se toca e se excita, que desliza entre o suor de mel que nos transpira da alma, sinto o cheiro da paixão nos nossos beijos escorregados, as línguas enroladas, as bocas sugadas e mordiscadas.
Saboreio o teu doce suspirar, a ternura dos murmurios que me dizes ao ouvido, quando o prazer te chama a mim, e o ímpeto te empurra ao sabor dos impulsos que o corpo te pede. Procuras dar-me mais, e mais receber de mim, afogas-te nos meus cabelos, tocas-me os lábios, envolves-me os seios, afagas-me a face, memorizas e absorves a chama do meu Amor.
As tuas mãos emanam loucuras dementes, inventadas e reinventadas, moldam-se e ajustam-se subtilmente, quando se entranham em mim indo de encontro ao meu toque húmido e quente, que espera por ti...”

Caí literalmente no cadeirão que estratégicamente se fazia ali bem perto de mim. Não pude deixar de esboçar um sorriso iluminado que contrastava com a aparência rude e embrutecida daquele estúdio.

“-Quem me escreve?” perguntava-me insistentemente olhando para a caligrafia, buscando algum traço, alguma sílaba que me trouxesse a autora de tais palavras… Não te vejo, não te conheço, mas sinto que me espreitas, entre a folhagem do meu paraíso rodeias-me com a ternura do teu olhar que apenas assim poderá conhecer o calor das minhas mãos. Não sei onde estás, nem quem tu serás… mas como me conheces tu?

(Continua...)

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