quarta-feira, março 26, 2008

XXVIII - SILHUETAS

Às escuras vejo a vida como se de uma tela de cinema se tratasse, vi o princípio e receio em saber o fim. Improviso, sem falhas, não sei se pertenço ao enredo, mas procuro os meus documentos, algo que me identifique como jornalista. Os meus movimentos assustam o argumentista deste diálogo de mudos. Agarra-me, empurra-me, tremo, procuro desesperadamente um espaço de sombras onde me abrigar da violência, grito com a minha voz junto ao meu ouvido “-Jornalista... jornalista!!!”. Talvez tenha sido a semelhança sonora da palavra com a sua homóloga inglesa que tenha feito o meu medo cessar os seus ataques, talvez tenha sido a porta que se abriu e neste espaço virgem que não existe, fico recostado num tempo que não conta em parte alguma e observo à distância uma proeminente figura que se mantém na sombra e articula palavras que desconheço. Os dois voltam-se e saiem deixando-me na vontade de uma fuga, um mergulho inesperado para um oceano que gira numa tempestade mas com maiores probablidades de secar as gotas que me escorrem pelo rosto.

Por instantes misturo-me na envolvência deste silêncio escolhido, entre vozes que me circundam e beijos que recordo.

É de olhos postos nesta fresta de tempo que nos antecede, que abrimos os olhos, e nos entregamos à vontade e doce magia que brota de dentro e nos extasia as forças que dormentes, de novo acordam.

Oiço novos passos, um serpentear de uma areia movediça que se atravessa pelo corredor trazendo a serpente até mim. Com alguma dificuldade em abrir os olhos pela luz que invade o espaço onde me quedo, presencio o entrar de alguém, cigarro na boca, sinto-lhe o odor bem característico e familiar. Gosto do prazer de fumar pela ideia louca que me serve os pensamentos e me oferece novas ideias. Instantes passaram e nenhum movimento ainda foi feito por aquela figura que ali se mantém inerte junto à porta. Inesperadamente as sombras ficam claras como o raiar do dia, sinto que o perigo naquele instante não se fazia, algo mais esta personagem pretendia de mim. A força dos punhos contrastava claramente com a força da estratégia e uma diplomacia unilateral.

“ – American reporter?” – questionou-me por entre um travo no seu cigarro. Fiquei renitente na resposta... “ – Portuguese in a Peace Mission!” – ouviu a minha resposta e ali ficou a mirar-me como um falcão para a sua presa. Fiquei na dúvida se esta mulher que ali estava teria sido a mesma que me havia refrescado a face.

Voltou a sair deixando atrás de si a porta aberta. Conseguia distintamente ouvir os passos que se afastavam sucessivamente. Fiquei um pouco incrédulo e hesitante. A saída ficava ali ao fundo desse corredor e deixar-me assim seria um convite para uma fuga, ou seria isso talvez que esperassem dando-me um destino ainda mais cruel para me anunciarem como espião ou mandatário do inferno, pormenores que agora não me eram importantes, mas cuja fatalidade poderia ser evidente. Cresce em mim uma batalha interior entre o medo e a loucura desmedida. Tento a fuga e consigo a mesma, e o evento seguinte? Não tento a fuga e espero por uma oportunidade mais segura ou que me resgatem. E quais as possibilidades de tal acontecer estando porém face a uma que agora se mostra tão real quanto as balas que oiço lá fora!!??

Vou tentar...

Afloro entre a rebeldia escondida, olho o final de tarde que se avizinha e deixo um bilhete, um recado, um sorriso enigmático ao rasto avermelhado do sol que me aquece o rosto. “Espero-te encontrar em breve...” solto num murmúrio de entrelinhas que o corpo me dita em cada inspiração diferente.

Solto os cabelos e disfarço-me de outra, atirando para os pés os pensamentos e os sentimentos. Não me seduzes, permaneço imóvel mesmo quando surges nos meus pensamentos, apenas fito a porta que quero entreaberta para mais rápida sair em tua busca, retirar-te da escuridão e adivinhar os enigmas em que te destapo.

Olho de novo lá fora o tempo que escurece, vestida de ti, sento-me sobre o tempo, dá-me um sinal de ti...

(Continua...)

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