sábado, março 22, 2008

XXV - AUSÊNCIA

O ruído é ensurdecedor. Este é o meu pequeno mundo de horror. No chão de pernas cruzadas, como que a ouvir uma história contada por um avô ansioso por brilhar aos seus netos, olhar de criança calada de vamos ver no que vai dar não sabendo ela como a história iria terminar ou a influência que a mesma iria ter no seu futuro, ali figurava eu, passivo, enublado, acorrentado a tremores sempre ouvia passos na minha direcção do lado de fora da porta daquele minusculo quarto. A guerrilha sem dúvida tomara a cidade de assalto. Poucas vezes vira a guerra como sendo actor principal num palco como este. O conflito sempre o vira nos papeis e nas fotografias, nunca havia-me borrado de pó ou de lama nem estado prisioneiro. O desconforto do chão de cimento, duro como aquela realidade não me deixava delirar por momentos passados.

Oiço passos de novo... calo os pensamentos. Nada me garante o ar que venha a inspirar momentos depois. A porta abre-se. Levanto a face como que encarando o meu carrasco. Uma moça claramente de traços muçulmano, carregada de pó nos seus cabelos pretos, carrega uma bacia de agua e um pano. Ao fundo do corredor que se encontra com outra qualquer divisão que desconheço, oiço vozes exaltadas, gestos rápidos de armas que discutem umas com outras. Julgo que serei eu o motivo daquela discussão.

“-American?” perguntou-me a moça enquanto levava o pano ao recipiente com água e de lá o tirou para em seguida o encostar à minha face ensanguentada onde jazia um corte profundo. Acenei com um não, a dor aguda que se fez sentir por breves instantes retirou-me qualquer capacidade de vocalizar um qualquer som ou grunhido. Apenas o silêncio era o que saía do meu rosto, agora um pouco mais a descoberto retirada a camada de pó que sentia agarrada aos poros.

A rapariga, claramente jovem levantou-se e por breves instantes fixou o olhar no meu rosto, como que contemplando-me pela última vez. Olhei-lhe de volta, o retorno do seu olhar havia ja desaparecido. Saiu fechando a porta deixando-me de novo sozinho no meu pequeno mundo, como um largo vazio.

Afogam-se as palavras plácidas de mim, não mais as sinto como há instantes. Antes de formuladas asfixio-as em rasgados pensamentos a embalar o meu destino em ti. Grande sorriso aberto e franco, grande o sentimento que acolho em mim e me acolhe a expressão dos dedos que descem pela porta daquele jipe na descoberta calada de algo que não se fez, para meu jubilo. Prendo todo o alfabeto nos meus braços e levanto-me, retorno ao meu veículo e confundo-me no sentir que extravasa calado em folhas brancas que piso a cada passo vazio de mim. Vejo-me ao reflexo do vidro que ali me separa da selva do espaço macio, sei que endoideci de tanto te querer como um devaneio a solta, uma vontade a galope desalmado que surgiu vindo não sei de onde como um vento que espalha brisas de perfume em nós.

Regressamos de novo às instalações da missão. Sabia que o caminho inverso não era possível de ser feito naquele momento sem o auxílio militar correspondente. Foram mantos e mantos de palavras que cobriram os meus pensamentos durante aquela viagem de retorno, sabendo que estarias além terra, sozinho talvez, ferido ou não, longe da tarde quente que havias amanhecido no colchão inventado contigo.

Silencio enternecido, derrotado, este que me encerrava os lábios. Era agora esse silêncio que me ditava o caminho... “-Não se preocupe. Havemos de o encontrar e resgatar para junto de nós!”- foram essas as exactas palavras que o furriel que conduzia o jipe me acenderam um pouco a esperança de encontrar Ricardo. Afastei o olhar do meu pensamento de que estas palavras já não existem, não posso fechar este livro sem ler o capítulo final e assim por isso, acendo a ilusão sábia da esperança e é entre os nossos lábios que iremos continuar a história...

(Continua...)

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