quinta-feira, março 20, 2008

XXIV - TRILHOS DE SILÊNCIO

Percorro contigo as mesmas ruas, sinto-te ao meu lado. Olho em busca do teu olhar e estou sozinha. Os degraus de um tempo que passa avidamente entre nós, dão-nos a certeza da presença ausente um do outro.

Tento adiantar-me ais dias atrasando as memórias cativas em mim sabendo-as futuras e com sede de as viver. Não posso acreditar e por isso faço batota comigo mesma. Corro à frente do sonho que pela noite me abraça e me fala ao ouvido de um amor real e que por isso não pode morrer. Sem qualquer receio corro, corro, passeio-me pela vida quando a manhã abre a porta e sigo a fantasia que a noite não me deu e que os dias não sabem que existe.

Grito o teu nome pela penumbra de um espaço mágico inventado, entre o crepúsculo do dia e os brilho dos arbustos, como se as nossas almas se tocassem. É alvorada de uma paixão que não quero interrompida, encruzilhada de lábios que se tocam e olhares desenhados sem qualquer sossego. É entre o encanto e o desencanto do fim do sonho que os nossos tempos se fundem e as lágrimas rasgam-me o rosto num suspiro de saudade que morre aos poucos.

É saudade, é desespero, são fantasias inventadas, partilhadas, dor imensa que me foge à carícia desejada, um beijo ansiado de uma presença ausente, num tempo que temo não ser mais o nosso... são gargalhadas, riso histérico da miséria humana que me deixa aliviada, é um rosto desconhecido que me envolve num desespero aliviado. Ajoelho-me ao mistério do caminho que tomaste e choro, soluço, rio com gargalhadas soluçadas. Sei-te vivo, sei-te vivo.

Penso-te nas linhas bambas do meu ser, por entre pensamentos surdos que esvoaçam na introspecção da minha meditação. Cruzo-me contigo em fugazes encontros de brumas e segredos enquanto caminho em terrenos espinhosos sem rumo certo e distinto. A espuma vermelha de um oceano de terror derrama-se por entre as esquinas do meu corpo. Envolvo os pés com as mãos e aguardo o meu destino que o peito demonstra sem qualquer sossego. Já pouco me resta sem qualquer receio, a angústia, a maré que me envolve a alma e que desapareceu num ápice porquanto me levam para longe de ti. São momentos vazios como noites de insónia estes que me trazem à memória o rosto de Melinda.

Neste recanto de um mapa desconhecido sei-me chegado ao destino desconhecido. Fazem-me sair soltando por entre berros gritos de guerra e ameaças concretizadas sobre o meu corpo. Várias vezes sinto na pele os fios de certeza bordados a areia que se atravessa por debaixo das minhas botas. Dirigem-me para um edifício sem insígnias, placas, letras ou cores. Apenas reconheço ao perto o edifício da Biblioteca de Sarajevo, um monumento inspirado no Alhambra de Granada e eregido à convivência multicultural até a artilharia sérvio-bósnia o reduzir a escombros já no passado ano de 1982. Inimaginável a história perdida por entre milhares de preciosos livros e documentos que muçulmanos, sérvios ortodoxos, croatas católicos e judeus haviam conservado ao longo dos séculos. Um história perdida que agora revivia na minha pessoa.

Mergulhei na escuridão de um corredor como gado empurrado para as brasas de uma marca de um dono que jamais conhecerá. Assim me sentia ausente mas terrivelmente presente numa peregrinação ao palco de horrores de um genocídio feito num só volume.

Fecho de novo os olhos, e consigo ouvir a melodia da tua voz, mesmo quando dela sai poesia sem palavras.

(Continua...)

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