segunda-feira, março 24, 2008

XXVII - EMOÇÕES


Sinto um cansaço extra por todo o meu corpo. Sento-me por breves instantes e olho o céu do fim da tarde, resguardo-me nos pensamentos que guardo entre o coração e os joelhos. Não me imaginava neste querer incontido e louco, sofrega e sedenta dentro da minha pele pelo homem de alguém com quem já partilhei o quarto de camarata. O meu corpo transpira agora num misto de desejo e de medo que apenas se irá saciar na hora das grandes decisões.

Raquel é a minha melhor amiga, porém, mesmo não estando com ela muitas vezes desde que aconteceu o seu acidente. Por muito que não queira pensar nisso, sempre senti que o que acontecera a ela, a mim se devia em muito. A relação dela com Ricardo estava agitada antes dessa missão. Há muito que ele insistia com Raquel para que as suas missões chegassem a um fim, pelo menos no campo de “batalha” e passassem a ser mais diplomáticas, naturalmente um trabalho de secretária e encontros de protocolo.

Oito dias antes da saída encontramo-nos num café pelos lados de Belém. Falava-me que queria tentar tudo naquela relação, que Ricardo estaria em vias de a deixar. Ela compreendia as razões dele sabendo que suas vidas teriam de encontrar um ponto comum de estabilidade para assim continuarem em conjunto, mas com ela em constante perigo nas missões em que participava, era motivo mais do que suficiente para esse ponto comum deixar de existir pela enorme pressão que exercia.

Disse-lhe que não poderia ser dessa forma e que não deveria deixar os medos dele interferir na sua vida pessoal e muito menos no que ela fazia. Sei que estava a ser egoista, querendo apenas ter a minha amiga comigo. Sei que hoje pago esse preço na mesma moeda que ela pagou, agora no papel inverso ao seu.

As vozes silenciam-se e tudo o que agora oiço, gritos desesperados que ecoam por entre os becos da cidade, balas que arrancam pedaços do cimento que outrora sustentou edifícios, luzes que ecoam por entre as grades da janela, clarões laranja que desbravam a paisagem.

O Sol desce numa luz ténue deixando atrás de si esse rasto avermelhado relembrando-me as linhas que me sossegam o espírito naquele instante. Há treze tempos atrás, deitado junto de Melinda, a Lua prometia o brilho no céu e as nuvens estendiam-se como um tapete para os sonhos. Estava demasiado fraco para tentar fosse o que fosse por isso aconcheguei as pernas, fechei a janelas das conversas e corri as cortinas sem rosto e parti rumo a um mundo que conhecera de olhos vendados, indo ao encontro do encanto e da loucura. Para lá desta tela, oiço novamente passos, a porta que se abriu, um silêncio que pairou, uma espera que perdura em vezes sem conta, e eu, fugindo aos impulsos dos meus receios, soltando tremores disfarçados de bravura, inventei a serenidade nas minhas mãos e aguardei a decisão do meu carrasco que ali, parado, aguardando o convite para me apontar a sua arma.

Lembro, relembro, recordo e espero os próximos momentos que me trazem um sabor amargo na antecipação de também eu figurar numa fotografia.

(Continua...)

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