quinta-feira, janeiro 31, 2008

XV - MOMENTOS AGRADÁVEIS

Sentamo-nos num dos cantos da sala. O ambiente acolhedor e a meia luz convidada à intimidade. A sala decorada com alguns objectos claramente antigos e de referências ao pastoreio, evidenciavam anos passados, estagnados numa realidade que deixara de existir mas sem qualquer evolução.

- Surpreendido, pelo que vejo nos teus olhos, estou certa?

- Sim posso-te afirmar isso mesmo. Não esperava que num local como este, no seio de um conflito como o que decorre lá fora, possa existir este espaço que embora rudimentar, não deveria supostamente existir, pelo menos é essa a ideia de quem se encontra ausente desta realidade.

Sorriu dando-me a entender que esperava aquela mesma reacção da minha parte. Sentia-me um perfeito turista ignorante não fosse os ruídos esporádicos que lá fora se faziam ouvir relembrando-me que não estava de férias. Mas decido em me abster por momentos e aproveitar aqueles instantes, não sabendo quando os poderia voltar a reviver. Afinal esse fora um dos motivos que me trouxera até aquele local, reviver.

Melinda entusiasmada foi pedindo de uma ementa feita num rectângulo de madeira plana tendo uma folha agrafada com a descrição das possíveis refeições. Deixei que pedisse por mim confiando nela o meu possível paladar surpreendendo-me de seguida ao pedir uma garrafa de vinho tinto, soube-o assim que a mesma chegou até nós nas mãos de um garoto todo amarrotado, de cabelos castanhos e uns olhos do tamanho do mundo. Não teria mais do que 5 a 6 anos e estava já ali a ajudar os seus pais certamente.

Chianti era o vinho escolhido. É um vinho tinto italiano produzido na região da Toscana. Com toda a certeza a sua presença ali era fruto da contrafacção, usual em momentos e locais como aquele. É um vinho tinto seco com aromas de fruta muito concentrada e é produzido com as uvas Sangiovese. O Chianti combina bem com comidas leves e os seus sabores e aromas de violeta e cereja são impressionantes. Mais impressionante fiquei com esta escolha, não só porque adoro particularmente este vinho mas porque tinha sido escolhido por Melinda.

O serão prolongou-se. A conversa mantinha-se a um nível um tanto formal, roçando por vezes alguns pormenores íntimos mas nada reveladores do que fosse. A particularidade da forma em como se exprimia e falava demonstrava-me que confiava na minha pessoa.

Fiz uma pausa e pousei o fotografo, deixei-o aberto à mercê da brisa que sopra da voz que do outro lado da mesa me chama e em certa medida me encanta.

Fascinado, sigo o meu querer, não me impeço de correr sob a cor azul do céu dos meus sonhos e poiso no conforto das frases abertas que me enlaçam.

Sem dúvida que me desperta anseios, os sorrisos fluíam em carícias ardentes que as mãos selavam em toques escondidos, movidas pela sintonia mágica que flúi para além de nós. Nem sei bem o que comia. O desejo que escorre dos meus lábios húmidos dá-me a provar o sabor doce e quente de algo à muito esquecido.

Incendeio fantasias no fogo da minha língua e solto um Sol imenso que me derrete os sentidos e me inflama deliciosamente a pele. Sabia-me a percorrer estradas perigosas rumo a um destino incerto. Num olhar nos olhos meus, senti que entreabria sensações profundas que encontro apenas quando inebriado pela lente da minha câmara, enfeitiçava-me aquele momento e sentia que Melinda absorvia por completo a minha alma para dentro da dela.

Terminamos o jantar e ao olhar em nosso redor as mesas faziam-se vazias. Tínhamos perdido a noção da realidade, do tempo que se estendia à nossa frente e ditava as suas vinte e três horas. Era noite já e tínhamos passado das brincadeiras de criança que nos fizeram esmurrar joelhos ao primeiro beijo na primária. Foi bastante agradável a leveza do tom relaxante partilhado ali.

- Saímos e continuamos a nossa conversa lá fora? – questionava-me por entre um olhar já claramente a evidenciar um entusiasmo Chianttiano. Estranhei apenas que se não estaria ambientada ao seu efeito, o porquê de o ter especificamente seleccionado. A frescura da noite fazia-se já sentir. Recordava-me a noite Londrina com o seu nevoeiro característico.

Amontoam-se palavras soltas no espaço infinito, pairo na dormência da inspiração. Lanço ao ar os dados deste jogo que me impus e espero que as suas pintas me ditem devaneios ao ouvido. Assim o desejava.

Contemplo a Lua estranhamente calada e no brilho das estrelas que riscam o céu procuro uma centelha de imaginação. Sentia que vasculhávamos na nostalgia da noite escura uma ideia mais audaz, que nos permitisse soltar os desejos e entregar nos nossos passos, os momentos que fervilham no quarto escondido das nossas loucuras.

Atraso o relógio, acrescento dias que não existem ao calendário das minhas fantasias, e sento-me, na indecisão de permitir que o tempo se faça de um instante longo e que dure mais que apenas um momento.

Sem a bússola que me orienta o discernimento, enleiam-se o passado, o presente e o futuro, entrelaçam-se nas minhas mãos perdidas e sem norte, os dedos paralisam na apatia deste momento devoluto de sonhos.

Sinto-me ausente de mim..

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