segunda-feira, fevereiro 18, 2008

XVI - O MEU ABRIGO

Enfeitiçados pelas saudades, caminhamos pela estrada fora conversando um para o outro, enquanto isso, o céu abraça a terra e a linha do horizonte dissipa-se, estremecemos quando o nosso olhar se toca, e revivemos as sensações já perdidas nas brisas campestres, mas guardadas na alma.

O brilho de prata e ouro, elementos que um dia admiramos no dedo de alguem, intensificou-se com a distância, nas nossas mãos entrelaçadas, sentimos fluir uma sintonia cósmica que não se explica, contemplamo-nos sorrindo e fechamos os olhos enquanto as palavras eram trocadas assim, sem nos tocarmos, saciando a fome do corpo, apenas com o calor que emana da nossa pele.

Os lábios, entreabertos, sedentos, esperam algo invisível, tremem, desejam, e entregam-se ao tão esperado toque mágico, a tal carícia doce e perfumada, que nos abre as portas do Paraíso, o beijo nosso, que tanto desejámos na imensidade dos dias que o calendário não marcou, porque para nós, o tempo não existe, temos e teremos sempre a eternidade a nosso favor. Traidor, os sentimentos revoltos faziam-me sentir um traidor, penso levemente naquele leito que acolhe o meu coração, e eu aqui, desperto.

Dentro da febre da ansiedade que me consome a alma, o mundo vai perdendo a sua forma, delimito horizontes oblíquos, traço fronteiras de luz no céu, vou mais além de mim, do que é permitido, escrevo um livro de momentos, onde o título já não faz sentido, a capa está corroída pela saudade, e a estante já não comporta o peso das emoções desta história inacabada, que o Amor vai tentando escrever.

Na minha pele, foi escrito um prefácio, quando a maciez de certas mãos, deixaram em mim, pedaços da sua essência, carícias de letras, longos beijos molhados de momentos inventados, colados de desejo no silêncio das nossas bocas, frases apetecidas, toques e suspiros de sílabas quentes, deslizantes entre o tempo e a eternidade que aquelas palavras ainda contêm.

Na imensidão de capítulos escritos e por escrever, vejo-a nas entrelinhas, cruzamos olhares, fingindo não nos ver, folheamos o livro, e enganamos a sede da alma, quando em simultâneo, insistimos em virar e deixar para trás, mais uma página vazia de nós. O silência imperava perante o nosso beijo, um acto que ambos procuravamos, mas não própriamente desejável. Entre um singelo pestanejar e o delicado bater de asas de uma borboleta, o ar incendeia-se a qualquer movimento nosso.

Continuamos o percurso a pé até encontrarmos o veículo que nos havia trazido - "Melinda, obrigado por me mostrares algo que nunca pensei encontrar e reencontrar-me com os meus desejos." - Os seu olhos cintilavam enquanto anoitece cada vez mais. O caminho de regresso era longo, não encontrava explicações para nenhuma palavra ter saído dos seus lábios após o beijo. Estaria sentida pelas minhas palavras? Fosse como fosse o brilho dos seus olhos me diziam claramente para não fazer questões. Olhava pela janela já submersso num mundo novo, entrei sem licença para sofrer, aqui tudo é belo, tudo me faz sorrir, tudo é raiado de esperança, encontro novamente o Amor em mim, desta vez, apertado num canto qualquer, de onde não se quer escapar, aqui não há medo nem receio, sei que, tal como a flor nasce da semente, também a força florescerá em mim, e de novo olharei o mundo com os meus olhos, amanhã, mais perspicazes do que hoje.

Em mim, a presença, o sentir, o desejo perdura, mas de uma outra forma, aquela que eu quiser que seja, nada muda, mas tudo será diferente, ganhei um degrau nesta subida que me leva rumo ao conhecimento, não olho para trás, levo tudo em mim guardado, como um livro que me guia o caminho, pois só assim, a posso sentir sempre mais perto, quando a saudade insistir em chegar.

(Continua...)

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