De regresso ao meu quarto deitei-me por um pouco. Não sabia se era já o cansaço da viagem ou toda aquela comoção mas necessitava de fechar os olhos mesmo que por breves instantes. Acertei o relogio para as dezanove horas de forma a que despertasse a essa hora. Um duche rápido iria me oferecer outro ânimo, e assim, me deitei aconchegado com uma manta e deixei-me levar pelo cansaço que me fechava os olhos lentamente.
Repousava neste mundo diferente, sonhos perdidos como um puzzle davam luz às imagens e cores que me aconchegam neste instante em que adormecido, recomponho-me – “Ricardo… abre os olhos, acorda!” – aquelas palavras chegavam-me de tão perto, como se o universo me tocasse e o céu se fizesse terra.
– Ricardo, estás bem? Acorda! – e de repente da escuridão se fez luz e aquele rosto ali junto a mim confundia-se ainda com a névoa feita na minha mente.
- Melinda, que horas são? – questionei dando um autêntico pulo da cama, qual canguru amestrado que face à sua recompensa cumpre rigorosamente as suas acrobacias.
– Neste momento já devem passar uns dez minutos das vinte horas. Como não estavas lá fora e não respondias às batidas na porta decidi entrar.
- O cansaço, à algum tempo que estas longas viagens encontram-se fora do meu itenerário – desculpava-me do atraso tentando perceber porque o meu relógio não havia despertado.
- Pensei que estivesses ainda deitado a descansar realmente porque vi em ti um cansaço pesado que realmente merece o seu descanso. Adiamos o jantar para amanhã e assim descansas, parece-te bem?
- As minhas promessas cumprem-se, por isso hoje vamos jantar sim – afirmei como um perfeito capitão que se afirma perante o seu pelotão querendo ganhar o respeito dos infames e prevaricadores.
- Optimo! Dez minutos devem chegar para te recompores, assim sendo, estarei lá fora junto ao parque de viaturas num dos jipes a aguardar por ti. – e dizendo estas palavras sai da mesma forma silenciosa com que entrou.
Assim sendo mudei de camisa e refresquei-me o melhor que pude naquela fracção de tempo, e mesmo antes do prazo que me fora dado terminasse, estava já a sair dos aposentos em direcção ao veículo que nos levaria ao restaurante. Entrei para o lugar de passageiro já que ela mesma ocupava a função de condutor. Confesso que nunca fora conduzido, e a reacção intrigava-me. Saímos sem que uma só palavra fosse abordada. Durante o percurso admirava uma cidade destruida pelas palavras soltas de vozes que gritam algo que um povo inteiro não deseja, assistia esse desespero por entre as faces quebradas de viajantes exilados que junto à estrada caminhavam em direcção a um sol nascente sem nada mais, do que a própria esperança, e enquanto isso eu mesmo ia naquele instante a caminho de um certo restaurante que desconhia e me questionava como ainda existia. No mínimo a ironia tornava tudo aquilo ainda um pouco mais interessante.
- Chegamos – e dito isto Melinda aponta para um casa de dois pisos, com luzes acesas no rés do chão, as paredes de pedra estavam ainda bem compostas e não me apercebia de qualquer marca ou passagem de todo um conflito que ali tão perto se fazia. Entramos mesmo sem bater como se de um banalíssimo restaurante se tratasse. O meu espanto não tardou. Mesas redondas compostas com uma toalha avermelhada e umas listas brancas, duas velas acesas por cada mesa, pratos de barro tipicamente de épocas antigas e senhoriais e uma senhora que aparentava já uma certa idade atarefada de mesa em mesa a servir o que pelo característico odor me sabia a cabrito assado.
- Não acreditaste que te traria de facto a um restaurante?
- Nunca imaginaria este cenário sereno e idílico enquanto lá fora decorre uma guerra. Isto é como se ao entrar por aquela porta acabássemos de abrir as portas a um sonho.
(Continua...)
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