segunda-feira, janeiro 07, 2008

VIII - O TOQUE

São quatro horas da madrugada e só agora regresso a casa. Necessitava de colocar aquele estúdio em ordem. Pude finalmente terminar os trabalhos pendentes e dedicar-me às aventuras do meu dia-a-dia e encontrar novas facetas e realidades para captar na minha lente. Estava visivelmente cansado. Os olhos enrugados pelo esforço da pouca luz do laboratório obrigavam-me a usar as mãos sentindo cada pedaço da parede do quarto como se de um trilho se tratasse até ao seu tesouro, a cama que me aguardava.

Desce a madrugada e o sono não chega. Deitado mesmo com a roupa dou voltas pela cama e limito-me à ignorância da minha insónia tentando fixar na minha memória o momento em que conheci o brilho do teu olhar.

Meu corpo rende-se ao rendilhado da falésia da noite que me quer desperto. Sento-me na cama... lá fora oiço passos de nocturnos comerciantes que da noite fazem sua vida. Acendo um cigarro, a companhia dos solitários quando sentem o desespero da solidão a se aproximar. Pelo quarto vejo o fumo a transformar-se numa nuvem de cristal, brilhante pela luz do candeeiro da calçada. Fecho os olhos. Lembro-me do dia enublado em que a conheci, onde te inventei por entre as cores cinzentas de um dia que se fez em palete de arco-íris, onde te moldei nas mais belas formas e onde me deste um nome escolhido entre os teus vazios. Ainda guardo a tua foto, a primeira foto do teu rosto onde te revejo, contemplando em fugazes instantes o teu sorriso que te fez tão feliz, e recordo que em troca me deste vida com a tua magia que absorvi e ainda trago espalhada pela pele.

De novo inalo um pouco mais do meu vício que me acolhe nos momentos de transtorno, onde a realidade me separa dos desejos e a confundo com a ilusão de um reino de fantasia ou um anjo rebelde perdido nas nuvens do teu céu.

Afasto-me da cama e rumo à janela. O ar fresco da madrugada acorda as minhas feições adormecidas. Um casal de namorados descem a avenida vindos certamente de uma noite de diversão, a prostituta que se encolhe na portada de um edifício, a luz fosca que se envolve pela cidade e silêncio. Noites destas são difíceis de encontrar e ainda assim, acordado, desperto para uma realidade da qual desejo fugir, sinto o perfume das tuas palavras quando estes momentos me surgiam "-Amor, deita-te ao meu lado, deixa-me te adormecer!".

Como ainda saboreio o sopro das tuas penas que se chegavam a mim gentilmente como a brisa da manhã, inundando o quarto naquela noite de Lua cheia, testemunha calada de um sonho lindo onde apenas dentro de ti, na tua boca que me silenciava, saboreava a doçura do beijo com que me trazias o teu amor.

Recordo por entre um sorriso de menino traquina essa noite. O ténue brilho das estrelas indicava-me o caminho da janela até ti, no entanto sentia-se a chegar, de toque desprendido por entre o meu corpo nú, olvido o pudor e o desejo. O luar nos meus olhos alertavam-te para a razão desprendida de mim oferecendo-me ao querer que dita o desejo.

De nós choviam beijos molhados, mimos trocados e meiguices oferecidas, no ar espalhavam-se murmúrios que as tuas mãos procuravam na minha pele, lábios perdidos em delícias húmidas na aurora do teu prazer, pleno de luz e emoções. Momentos intensos, sem limites, deixados à mercê da rotação livre dos corpos, carícias que se faziam secretas e magias inventadas, o gemido profundo sussurrado ao ouvido, os dedos entrincheirados nas minhas costas por cada prolongar de um movimento cavado na paixão.

Nesse campo de paixão, nesse abrigo de loucura, a respiração toma o fôlego, o coração apazigua as emoções ainda gritantes de um êxtase lancinante que trespassava nossos corpos colados, inebriados, culminar do deleite que nos deixa assim quase adormecidos, ao abandono dos braços um do outro.

Tenho saudades dessas noites, saudades de ti.

(Continua...)

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