Seria longo o dia. Ao sair daquela porta do Hospital Militar, um novo amanhecer se fazia sentir dentro de mim, um que me abriu de novo a alma, despertei células adormecidas em mim e senti-me de novo a viver. Chegado às instalações da ONU na cidade que se encontravam germinadas dento do quartel militar apresentei os meus documentos de identificação. Aguardavam-me certamente tal a rapidez com que me cederam o livre-passe, e indicaram-me uma porta ao fundo do corredor que levava ao edifício central.
Do fundo do corredor alguém chama-me. A fosca exígua luz que se fazia, evitava a denuncia do seu autor. Fui-me aproximando a cada passo firmado no chão brilhante, denunciante de sombras diversas onde o tema principal se fazia na guerra. Insígnias e bandeiras, fotografias de campanha de outroras batalhas designadas em secretárias bem afastadas da linha da frente. É certo que a minha presença dependia delas, serias a flor negra que se transformaria no fruto das películas por mim capturadas, momentos únicos e transcendentais à minha própria existência. Continuei a passo largo carregando o meu já antigo saco de campanha, o mesmo que carregou já em si peças de roupa de Raquel, e ainda dentro dele, religiosamente guardado, a cruz de Cristo que lhe pertencia e que trazia consigo naquele dia.
“Melinda! O que fazes por aqui?” Nada me faria crer que um dia iria rever aquela face. Melinda era a melhor amiga de Raquel. Uma mulher de tez morena com descendência marroquina e influências transmontanas, cabelos pretos e olhos verdes e com claras evidências nos traços do seu rosto das origens muculmanas. Esteve com Raquel em todas as missões e partilhamos muitos serões em conjunto nas inúmeras casernas de campanha. Estivéramos afastados desde o acidente de Raquel mas sei que a visita com frequência.
“-Estou de partida para uma nova missão e assim que soube que o fotógrafo de campanha escolhido tinhas sido tu, resolvi te receber pessoalmente.” Dizia-me ela com um sorriso espelhado no seu rosto por entre dois efusivos beijos. Fora sempre assim, uma personalidade forte e extrovertida e vincada, alguém a quem poderia recorrer a qualquer momento e talvez tenha sido isso que a juntou a Raquel que sempre foi mais delicada.
“-É agradavel ver um rosto amigo e conhecido por este emaranhado de fardas que transitam por entre os corredores.” Escusei-me claramente a mencionar o nome de Raquel, estava ali com um propósito que não o de reavivar memórias que me entorpeciam a cada amanhecer. Continuamos os dois pelos corredores a conversar sobre a missão que os aguardava, os posíveis planos de acção e perigos que eventualmente os esperavam. O telefona que recebera não havia sido claro quanto ao local que nos esperava, nem mesmo eu me preocupara com esse pormenor. Mas o maior suspense seria mesmo a forma como Melinda me recebera e o diálogo que mantinha comigo, sem mencionar sequer a sua amiga que ainda permanece no hospital. Certamente não pretende também ela abrir lugar a feridas que deverão se manter fechadas.
(Continua...)
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