domingo, janeiro 13, 2008

X - PASSO EM FRENTE

Alva pétala de rosa, na fragilidade efémera em que a poiso junto ao teu rosto e deixo meus dedos acariciar a fragilidade que me ofereces.

Levanto-me e hesito em sair. Viro-me para a porta. As lágrimas abrem estradas de sentimentos que não te escondo, conheces bem a minha dor quando nos meus braços, antes das persianas da tua vida se fecharem, sentiste a foice do inferno cravada no meu rosto, o desespero de te perder. Fecho-me em mim e remeto-me em ti. Não seria um adeus mas estranhamente sentia que o fosse.

Sinto-te sorrindo quando nossas mãos se separam, me abrem de mansinho e me lês, sabendo que um passo teria de ser dado.

Seria longo o dia. Ao sair daquela porta do Hospital Militar, um novo amanhecer se fazia sentir dentro de mim, um que me abriu de novo a alma, despertei células adormecidas em mim e senti-me de novo a viver. Chegado às instalações da ONU na cidade que se encontravam germinadas dento do quartel militar apresentei os meus documentos de identificação. Aguardavam-me certamente tal a rapidez com que me cederam o livre-passe, e indicaram-me uma porta ao fundo do corredor que levava ao edifício central.

Do fundo do corredor alguém chama-me. A fosca exígua luz que se fazia, evitava a denuncia do seu autor. Fui-me aproximando a cada passo firmado no chão brilhante, denunciante de sombras diversas onde o tema principal se fazia na guerra. Insígnias e bandeiras, fotografias de campanha de outroras batalhas designadas em secretárias bem afastadas da linha da frente. É certo que a minha presença dependia delas, serias a flor negra que se transformaria no fruto das películas por mim capturadas, momentos únicos e transcendentais à minha própria existência. Continuei a passo largo carregando o meu já antigo saco de campanha, o mesmo que carregou já em si peças de roupa de Raquel, e ainda dentro dele, religiosamente guardado, a cruz de Cristo que lhe pertencia e que trazia consigo naquele dia.

“Melinda! O que fazes por aqui?” Nada me faria crer que um dia iria rever aquela face. Melinda era a melhor amiga de Raquel. Uma mulher de tez morena com descendência marroquina e influências transmontanas, cabelos pretos e olhos verdes e com claras evidências nos traços do seu rosto das origens muculmanas. Esteve com Raquel em todas as missões e partilhamos muitos serões em conjunto nas inúmeras casernas de campanha. Estivéramos afastados desde o acidente de Raquel mas sei que a visita com frequência.

“-Estou de partida para uma nova missão e assim que soube que o fotógrafo de campanha escolhido tinhas sido tu, resolvi te receber pessoalmente.” Dizia-me ela com um sorriso espelhado no seu rosto por entre dois efusivos beijos. Fora sempre assim, uma personalidade forte e extrovertida e vincada, alguém a quem poderia recorrer a qualquer momento e talvez tenha sido isso que a juntou a Raquel que sempre foi mais delicada.

“-É agradavel ver um rosto amigo e conhecido por este emaranhado de fardas que transitam por entre os corredores.” Escusei-me claramente a mencionar o nome de Raquel, estava ali com um propósito que não o de reavivar memórias que me entorpeciam a cada amanhecer. Continuamos os dois pelos corredores a conversar sobre a missão que os aguardava, os posíveis planos de acção e perigos que eventualmente os esperavam. O telefona que recebera não havia sido claro quanto ao local que nos esperava, nem mesmo eu me preocupara com esse pormenor. Mas o maior suspense seria mesmo a forma como Melinda me recebera e o diálogo que mantinha comigo, sem mencionar sequer a sua amiga que ainda permanece no hospital. Certamente não pretende também ela abrir lugar a feridas que deverão se manter fechadas.

A caminho deste novo destino que agora se fazia por entre pedras límpidas e cristalinas que nascem a cada instante do meu âmago, brotam apaixonadas da nascente do meu ser emergindo enternecidas da minha essência, seixos preciosos que rolam ao abandono dos momentos neste leito de emoções, ao sabor da corrente do imenso rio de uma nova temporária vida, arrastado numa bela cascata de sentimentos cores e aromas que desaguam no sereno mar dos meus sonhos, e me aquietam a alma. As insígnias que Melinda transporta junto ao seu peito, são cristais transparentes que nascem disformes com arestas vivas, que se limam e perdem pedaços por onde passam, ganhando vivência, burilando a resistência, ampliando a pureza, lapidando as marcas que lhes dão mais valor à medida que o tempo passa, são jóias raras, pedras eternas e preciosas, são diamantes conquistados por entre rios de lama pisados a custo.

(Continua...)

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