sexta-feira, fevereiro 29, 2008

XIX - REBELDIA

Sem arrependimentos, sem dúvidas ou porquês, ali ficamos, um junto ao outro num profundo silêncio de pasmar nocturno mas naquele conforto perco-me entre o vazio e o cheio que me foi oferecido como que a cair de um lado e amparado do outro. Questiono, mas não quero a resposta. Fecho os olhos e adormeço.

Acordo, olho para o relógio que se manteve no pulso e sei que a noite ainda se faz. Há noites assim, em que nada me deixa dormir e tudo me faz pesar a mente. Ao meu lado um corpo quente se faz parado numa desmedida compensação de desejo. Olho para o lado, não a vou acordar. É dentro de mim que preciso de me encontrar e selar a ilusão de um beijo com o cheiro que se mistura com o meu e saber o que querer entre os meus braços vazios. Estendo um toque suave ao rosto que acolheu os meus lábios para sentir aquele calor em mim e vagarosamente saio dos lençóis, coloco a roupa que até à bem poucas horas carregava e decido sair, aventurar-me pela noite naquela cidade envolvida num turbilhão de emoções opostas.

Abro a porta de entrada deixando apenas o olhar procurar sombras nocturnas de vigia e escapar sem ter de enfrentar consequências piores à que esperava ter naquela manhã quando me reencontrar com Melinda. Certamente que o mundo liberal e a semente da paz é muito mais frágil mas não pretendo magoar ninguém. Ninguém no horizonte, saio apressadamente mas num silêncio absoluto, a segurança será encontrada no perímetro do meu aquartelamento.

Hoje é noite de guerra, a cidade pegou fogo. Os veículos encontram-se fora. Certamente uma missão de urgência foi iniciada. Sinto os lábios molhados, um êxtase diferente mas nem tão pouco menos entusiasmente me enche as medidas dos olhos e lanço-me ao desafio. Entro nos meus aposentos e carrego na mochila os rolos e a câmara.

O sol começa a despontar em luz ténue e encantatória, atrás de si um rasto avermelhado alumia os tons nocturnos mostrando-me o caminho a levar. O sabor dourado daquelas chamas consomem o meu desejo de as capturar, aprisionar os instantes que nos devoram a sanidade das sombras lascivas na penumbra. Corre uma brisa morna, saio ao alcance do perigo mas o espaço que já não é espaço, abre lugar ao infinito de tudo aquilo que os meus olhos encontram no horizonte.

Passo pelo “checkpoint” identificando-me de imediato ao soldado de plantão – “Algum veículo que me possa levar até àquele ponto no horizonte?” – indicando na direcção do avermelhado que sobrai no horizonte – “Salte para cima daquele jipe que está ali fora, o Tenente poderá o levar a um local seguro.” – respondeu-me o soldado.

Escrevi todas as regras pelas quais mordazmente me desafiava a seguir, segurança em primeiro lugar, e agora pelo gosto audaz de me sentir o rosto queimado pela vontade de fotografar, quebrava-as a cada passo dado.

Quero saciar o caos que me queima e lacera o discernimento.

Abro as portas à rebeldia...

(Continua...)

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