No albergue que me fora oferecido, sentem-se as paredes a estremecer. Os bombardeamentos haviam de novo iniciado. Olho para as faces dos meus protectores, a dela que junto ao que presumo ser o companheiro, roçam-se levemente entre suaves forças e trocas de amor, promessas de almas que se amam no silêncio de um beijo trocado por entre olhares que tudo dizem e nada falam.
Há uma fórmula mágica de odores, perfumes e sabores que embriagam os sentidos naquele espaço. Aqueles dois despem os olhos que se encerram numa languidez inversa à explosão de emoções que eclodem por entre ternuras, a cabeça que pende sobre o pescoço e certezas que estarão juntos mesmo que atravessando uma nascente turva.
Por momentos o tempo encontrou ponteiros ensonados, nada mais naqueles rostos fazia sentido à excepção do doce e borbulhante serpentear de sensações que lhes percorria o corpo, o frio na barriga quando se beija pela primeira vez, a tremencia disfarçada das mãos dormentes que desenham no ar as formas de um amor simples e sincero. O mundo ajoelhava-se ao seu mestre, podia sentir a essência daqueles dois, a sintonia do seu sentir, a magia de um amor em guerra, perdidos dentro de lembranças que o tempo não apagou da pele... sinto-me como se pelas margens de um rio descesse montado no pulsar selvagem de um coração que suspira, um privilégio assistir pelo avesso às carícias mascaradas de desafio, e eu ali, ausente nos dedos da minha câmara.
Suspiro... no corpo ausente de mim que reconheço cansado, encontro naquele momento a curva ascendente das minhas próprias emoções e perturbações. Branco como as paredes que me acolhem cerro os lábios e olhos pesados com que eu próprio me olho do alto dos meus desejos e encontro as duas mulheres que agora pertencem às páginas do meu pequeno mundo. Apenas uma contém o beijo que se esconde por entre as palmas das minhas mãos e que anseio em descobrir como um tesouro encantado, o toque longe do tempo que me enleia.
Ao olhar por entre as grades daquele espaço onde outrora um vidro separava a vida lá fora, ganho asas de vagabundo sem rumo e deixo que me perca em sensações que vejo derramadas em cascata sobre a minha pele nua de mim. Imagino e quase consigo sentir na boca o doce mel que a tua língua inventa quando toca a minha, e ris-te porque sentes o que eu sinto, a pressa em te beijar, o desejo que desfaz as malas do passado e percorre noites longas de insónia, sabes-me a sussurrar-te partes de mim que conheces e outras que descobres. O sangue pulsa nas veias, entrega-se ao espaço deixado na ternura, o corpo exausto do prazer que não teve, responde à alma e os olhos abrem-se com a imagem da terra prometida por onde a saudade e o sorriso renasce no rosto da que amo, a lembrança viva do que eu sou e quero para mim.
No ar repentinamente desvanece a música dos murmúrios loucos, a realidade adormecida acorda-me lentamente como um sopro sentido por entre o pescoço. Olho de novo o casal que me abrigara e o olhar que ainda há pouco se inundara de um amor imenso, fita-me assustado. Não percebo e sua razão, e assim fiquei por instantes me passam como horas por entre dedos finos, e tento, tento soltar palavras de sossego e nada me sai... olho as minhas mãos e um céu cinzento se desenha por entre o rubro vermelho que nelas cai como ondas que se esbatem na quilha de um navio à deriva. Sinto a brisa quente do meu sangue que cai como rosa cansada. Não percebo, a confusão instala-se aos meus olhos e pergunto-me qual a parte desfalcada do meu corpo que havia sido desfolhada com uma qualquer bala perdida...
1 comentário:
Andava a passear por aí, e parei um pouco por aqui... na pesquisa, escrevi: "vou seduzir-te" na esperança de encontrar uma imagem para ilustrar as palavras que querem brotar da alma... Perdi-me no encanto das tuas... Tens a magia que dá vida as palavras que sendo lidas, ainda que em silêncio, ecoam como tempestades na alma... Simplesmente... incrivel! Beijo
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