Soam os alarmes de saída do pelotão, apresso-me para a caravana que sai em busca e auxílio das populações mas és tu a razão pela qual as faces destes soldados se vestem de guerreiros. Entro no veículo e instintivamente fecho os olhos. Solto uma prece de fé, um pedido, um desejo que tudo volte a ser como era, contigo ao meu lado. O silêncio é rainha porque o rei é ausente. A caminho das portas da cidade tudo o que encontro é o desespero e destruição, caravanas da cruz vermelha a socorrer feridos e a esconder os mortos. “Meu Deus!” saíram-me estas palavras sem mesmo as pensar. As atrocidades que ali jaziam naquelas estradas eram por demais horrorosas, crianças perdidas, feridas, corpos irreconhecíveis ao ser que se diz humano, o cheiro intenso, uma mescla de odores de ódio queimado materializado em objectos desmembrados que não me atrevo a reconhecer como corpos, caso o fizesse o meu estômago não aguentaria. Esta frieza que reconheço em mim é agora bem vinda.
Escondo-me na saudade, na falta que sinto na tua ausência e penso como será possível alguém entrar na vida de outro assim tão repentinamente com uma paixão incontrolável, oferecendo sonhos que imaginei para uma vida inteira e sentir que tudo isso é recíproco. Eu queria voltar atrás só para ficar contigo, mas quero me apressar neste presente para alcançar o futuro onde te resgatarei do alheio e apresso-me a dizer, oferecer-te a minha vontade de ser o que ambos quisermos, mesmo que isso signifique ausentar-me do perigo.
O inferno era já ali à frente. A caravana pára e os estrategas reunem-se, iremos nos dividir em grupos e penetrar na cidade como estranhos num casamento, cuidadosamente e alienados, tomando o pulso às ruas e às vozes que saem das armas que cospem fogo e balas perdidas. Ardo em arrepios que me consomem a pele e adivinho a loucura que se aproxima sem ninguém me ter contado o desarrumado que visitamos.
Os grupos dividem-se e o meu leva o rumo do sudeste da cidade, escuto o ritmo continuado do vaivém das poderosas armas, este conflito dura já à tempo demais e perco-me na tentativa de compreender a razão do mesmo e os porquês que se diluiram já com o tempo passado. Admiro no entanto aquelas gentes que dali fizeram os seus lares e se recusam a procurar o abrigo do sossego. São pessoas como outras quaisquer, mas nos seus rostos vemos os traços da resistência, a persistência, não consigo encontrar a linha da derrota e habituaram-se a fazer daqueles dias uma normalidade estranha. Parecem-me hipnotizados. Assim como aparecem, desaparecem, vultos invisíveis que se escondem por entre as paredes esventradas, a sensação é estranha, como se no seio de uma selva todos os animais fizessem silêncio, ficando à escuta do perigo que se aproxima.
O medo invade-me pela ponta dos pés e a adrenalina desperta-me os sentidos. Sei que estamos em perigo mas não o encontro em lado algum. Avançamos lentamente pelas avenidas, apesar de blindados, os veículos são isco fácil num mar de tubarões. Ninguém se atreve a sair, marchamos passo a passo em linha recta tal como o jogo de criança “siga o líder”. E então tal como um presente envenenado, rasga-se o silêncio e somos alvo dos atiradores furtivos apesar de estar-mos perfeitamente identificados como elementos em missão de paz. Institivamente agacho-me, oiço o zumbido das balas que encontram na massa blindada das portas o seu repouso final. É arrepiante saber que tudo o que nos separa são centimetros de aço, e pensamos por breves instantes na fatalidade que pode acontecer. O condutor acelera, não pode permitir aquele chuveiro contínuo a cair sobre nós. Passamos a estar dentro de uma qualquer misturadora de sumos tais sãos os abanões com que nos deparamos nas curvas apertadas que o condutor desenha com o volante do veículo. O operador de rádio reporta a nossa localização numa voz arrepiada e apressada. As suas indicações não são claras mas percebe-se que rumamos a norte, agora para sudoeste numa rua apertada e sem saída. A travagem repentina atira-me para cima de um colega soldado. O veículo recua e estamos claramente encurralados dentro daquelas portas. O condutor procura a toda a pressa um abrigo, um local onde possa parar fora do alvo das miras telescópicas dos atiradores furtivos.
Pelo rádio ouvem-se relatos idênticos, o desastre é geral e todos procuram abrigo, a vontade de ali ficar evapora-se a cada segundo que passa mas não desistirei de procurar Ricardo.
(Continua...
1 comentário:
Que importa...
que seja o que sou para ti,(...)
talvez não sou nada...
Mas para mim,
quando estou contigo,
tu és tudo para mim.(...)
vou sonhando que algum dia
tudo isto seja somente a minha verdade...
Bjs
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