quarta-feira, abril 16, 2008

XXXII - A PROCURA

Aquilo que sinto é a razão que me faz lutar e me faz querer chegar além e sempre mais do que esse além. A minha fonte de inspiração transformou-se agora, as palavras que morrem ao cair no papel não são mais do que meras sensações que a alma agora grita com um basta a uma vida de momentos e amores fugazes de instantes que deslizam por entre os dedos nesta realidade assustadoramente má. Pensei que ia continuar esta vida tal como era antes de entrares na minha vida, mas hoje compreendo que apesar das razões com que nos cruzamos, apesar do passivo que a tua vida carrega, apareceste como a brisa que vem para a tarde quente de verão, por laços reais que não vemos e sinceramente não sei mais o caminho que vou seguir a não ser aquele em que tu estás presente.

Soam os alarmes de saída do pelotão, apresso-me para a caravana que sai em busca e auxílio das populações mas és tu a razão pela qual as faces destes soldados se vestem de guerreiros. Entro no veículo e instintivamente fecho os olhos. Solto uma prece de fé, um pedido, um desejo que tudo volte a ser como era, contigo ao meu lado. O silêncio é rainha porque o rei é ausente. A caminho das portas da cidade tudo o que encontro é o desespero e destruição, caravanas da cruz vermelha a socorrer feridos e a esconder os mortos. “Meu Deus!” saíram-me estas palavras sem mesmo as pensar. As atrocidades que ali jaziam naquelas estradas eram por demais horrorosas, crianças perdidas, feridas, corpos irreconhecíveis ao ser que se diz humano, o cheiro intenso, uma mescla de odores de ódio queimado materializado em objectos desmembrados que não me atrevo a reconhecer como corpos, caso o fizesse o meu estômago não aguentaria. Esta frieza que reconheço em mim é agora bem vinda.

Escondo-me na saudade, na falta que sinto na tua ausência e penso como será possível alguém entrar na vida de outro assim tão repentinamente com uma paixão incontrolável, oferecendo sonhos que imaginei para uma vida inteira e sentir que tudo isso é recíproco. Eu queria voltar atrás só para ficar contigo, mas quero me apressar neste presente para alcançar o futuro onde te resgatarei do alheio e apresso-me a dizer, oferecer-te a minha vontade de ser o que ambos quisermos, mesmo que isso signifique ausentar-me do perigo.

O inferno era já ali à frente. A caravana pára e os estrategas reunem-se, iremos nos dividir em grupos e penetrar na cidade como estranhos num casamento, cuidadosamente e alienados, tomando o pulso às ruas e às vozes que saem das armas que cospem fogo e balas perdidas. Ardo em arrepios que me consomem a pele e adivinho a loucura que se aproxima sem ninguém me ter contado o desarrumado que visitamos.

Os grupos dividem-se e o meu leva o rumo do sudeste da cidade, escuto o ritmo continuado do vaivém das poderosas armas, este conflito dura já à tempo demais e perco-me na tentativa de compreender a razão do mesmo e os porquês que se diluiram já com o tempo passado. Admiro no entanto aquelas gentes que dali fizeram os seus lares e se recusam a procurar o abrigo do sossego. São pessoas como outras quaisquer, mas nos seus rostos vemos os traços da resistência, a persistência, não consigo encontrar a linha da derrota e habituaram-se a fazer daqueles dias uma normalidade estranha. Parecem-me hipnotizados. Assim como aparecem, desaparecem, vultos invisíveis que se escondem por entre as paredes esventradas, a sensação é estranha, como se no seio de uma selva todos os animais fizessem silêncio, ficando à escuta do perigo que se aproxima.

O medo invade-me pela ponta dos pés e a adrenalina desperta-me os sentidos. Sei que estamos em perigo mas não o encontro em lado algum. Avançamos lentamente pelas avenidas, apesar de blindados, os veículos são isco fácil num mar de tubarões. Ninguém se atreve a sair, marchamos passo a passo em linha recta tal como o jogo de criança “siga o líder”. E então tal como um presente envenenado, rasga-se o silêncio e somos alvo dos atiradores furtivos apesar de estar-mos perfeitamente identificados como elementos em missão de paz. Institivamente agacho-me, oiço o zumbido das balas que encontram na massa blindada das portas o seu repouso final. É arrepiante saber que tudo o que nos separa são centimetros de aço, e pensamos por breves instantes na fatalidade que pode acontecer. O condutor acelera, não pode permitir aquele chuveiro contínuo a cair sobre nós. Passamos a estar dentro de uma qualquer misturadora de sumos tais sãos os abanões com que nos deparamos nas curvas apertadas que o condutor desenha com o volante do veículo. O operador de rádio reporta a nossa localização numa voz arrepiada e apressada. As suas indicações não são claras mas percebe-se que rumamos a norte, agora para sudoeste numa rua apertada e sem saída. A travagem repentina atira-me para cima de um colega soldado. O veículo recua e estamos claramente encurralados dentro daquelas portas. O condutor procura a toda a pressa um abrigo, um local onde possa parar fora do alvo das miras telescópicas dos atiradores furtivos.

Pelo rádio ouvem-se relatos idênticos, o desastre é geral e todos procuram abrigo, a vontade de ali ficar evapora-se a cada segundo que passa mas não desistirei de procurar Ricardo.

(Continua...

1 comentário:

Meuse disse...

Que importa...
que seja o que sou para ti,(...)
talvez não sou nada...
Mas para mim,
quando estou contigo,
tu és tudo para mim.(...)
vou sonhando que algum dia
tudo isto seja somente a minha verdade...

Bjs