Ardem-me as intenções na carícia breve dos gritos que ecoam dentro do meu peito e cujo destino se faz apenas em um só sentido, (in)voluntário, (im)perceptível, (in)contido... como a ténue deslocação do ar do mais débil pestanejar. O olhar solta-se entre aqueles que ali se juntam a mim, arde-me o atrevimento do ser, do querer e do poder, no formoso portal dos lábios em flor, rubros, ávidos, trémulos de um desejo maior que ainda ninguém se apercebeu, milimetricamente controlado ao rigor do destempero a que ascendo em espirais de (in)dissimulada agonia pelo desconhecimento do seu paradeiro.
Sinto as entranhas a arder, ardem-me os lábios por um (im)provável toque que me ascende ao virtual bramido de um beijo. Inalo o pó que nos abraça num acastanhado sabor de guerra, estendo a mão num momento etéreo, fecundo, (in)submisso onde o pensamento selvagem já adivinhou, ousado e livre, perfilado pela cumplicidade daqueles que ali junto a mim, por detrás de sete véus de terror e de refinadas transparências, uniam-se a uma só missão.
Arde-me a fragância do beijo húmido enquanto percorro os corredores explosivos de um desconhecido labirinto na tangencial amplitude do céu da boca como inferno em chamas... o purgatório que agora atravesso carregado entre braços por quem desconheço, mas corremos impacientes, enquanto a abrasiva dor me atravessa a pressa da saliva morna que se vai secando com o tempo, misturada no sabor a mel e a sangue vivo, no travo amargo ao fel da cupidez.
Ardem-me os olhos, a pele e todos os sentidos, abruptamente inflamados, inadvertidamente despertos, impregnados de uma inexplicável e indecorosa urgência, como que rabiscos fugazes escritos na pele... talvez seja este o sabor da morte, do cessar dos sentidos de uma ceara dourada numa planície ardente de promessas por cumprir.
A minha vontade desabrigada deixa-me indefeso na penumbra das intenções de quem ali se apressa a tentar remediar a agonia que se me apodera das linhas do meu rosto. Mas a breve carícia do fogo no desassossegado daquele olhar e o mar encrespado que crepita o galgar furioso do sangue que me escorre das muralhas do meu recato, descobre-me lugares inexplorados no desnude da lisura da pele que ali me toca e retoca, o tecelão que compõem a sua malha. Oiço breves palavras e num breve instante aquele que se fazia do meu casulo é transportado rapidamente para fora daquelas paredes. “Onde estou?” - perguntava-me num tom de murmúrio de voz que se quer ouvir mas secreta e cansada. O silêncio das vozes era tudo o que me respondia, e aquele hálito doce e quente, a aflorar-me a nuca, a percorrer-me de lés a lés, o pescoço alto de garça até onde outrora crescia cabelo, a colar-se-me de mansinho ao desalinho das rugas e da boca faminta... era o frenesim intenso da loucura a quebrar-me a resistência. Abro os olhos de tempos a tempos e observo ao largo avenidas de paredes esburacadas onde outrora se penduravam cacifos de vidas e admiráveis lagoas cheias de vida.
Passeavamos certamente pelo lado mais turco da cidade, reconhecia por breves momentos certas frases, algumas teimosas placas que ainda ali existiam, como a de um restaurante, o “Inat Kuca”, pelo seu aspecto exterior teria sido uma antiga casa turca remodelada para aquele efeito e que ali ainda existia junto ao rio.
Somente o abismo esfíngico e hipnótico dos meus olhos sabiam para onde me levavam, as mãos exímias, de artífice do amor, feiticeiro do momento que guardava sagradamente na película firme da minha camera, abertas em concha e rubras pela crime, estendiam-se ao limite do horizonte numa harmoniosa linda da delicada cintura do teu rosto.