domingo, junho 01, 2008

XXXIV – UM CRIME PERFEITO

Numa orgia de cheiros e sensações, sabores que me percorrem a saliva e se perdem por entre a inquietude do ar que inspiro, quebram-se as forças qual pétala molhada em manhã orvalhada. O peso do universo cai largo no meu véu banhando-me num arrepio de doce ternura inversa à sua razão.

Caiem as pétalas por onde a minha voz viaja num vermelho rubro de paixão por onde viajo incauto na noite misteriosa e pálida do meu rosto. O meu corpo de novo estremece neste som que ondula num louco turbilhão dentro de mim. Deixo-me cair, tocar com os joelhos longamente nas lajes que se desenham por baixo de mim exalando um perfume de derrota por onde os girassóis de outrora polvilhavam ao meio-dia milhares de pólens reluzentes numa dança frenética e reluzente na minha pele em busca da tua.

Solto uma gargalhada, seguram-me a mão contemplando firmemente os meus olhos. Sussurram-me palavras enfeitiçadas como que anestesiando-me com um brilhozinho nos olhos. Sei que estou ferido, sinto o despertar da dor que me atravessa o impossível e proporciona uma autêntica odisseia dos sentidos, o despertar de novas sensações. Transcendente é uma palavra demasiado frívola para descrever algo que não tem precedentes e que me envolve numa névoa misteriosa e incompreendida de uma forma tão imprevisível.

Questiono o porquê de agora me quererem afastar de um número de probabilidades que aumentavam nitidamente em direcção à fuga do meu exílio, e de repente, o cheiro a carvão queimado, feito em brasa, olho nos olhos de quem me deu guarida e encerro os meus não sabendo o que esperar daquele momento.

Há palavras que dão vontade de mastigar, saborear a textura inocente que me entorpece os sentidos. O arrepio que se me cresce dos pés é novidade para mim. O teu rosto é a sombra que me povoa o pensamento neste instante e confesso que nunca me saíste da cabeça. Chove no meu rosto gotas de tristeza, alecrim murcho pela névoa de um inverno rigoroso. Quero acreditar que verei de novo os nenúfares dos teus olhos e a água doce do teu sorriso no qual sacio a minha sede. Cansaço, é o peso do universo que agora sinto em mim e tudo o que me acalenta este momento é o descanso desmesurado que sinto necessitar.

Um cinzento calado invade a cidade e estremeço. Desço as escadas do meu olhar e fito as mãos que se avermelham como se um balão de ar quente tivesse por ali passado e queimado a química da alma. “Ricardo!” – solto em voz trémula antecipando um calafrio que jorra da minha fonte e se faz rio na tua foz.

Ali parados num deserto de nós moscada nada poderia fazer. Num átomo de fé abro a porta do veículo e salto para o lado direito do inferno em busca de uma colina protectora. Corro, corro e corro como atleta de maratona acreditando que o céu é mais abaixo e por isso não tenho medo de cair. O meu coração está a meio da ponte, sinto o vento que sopra de norte e desce em direcção ao sul, a brisa mostra-me o caminho e sigo-a como aprendiz carente das palavras do seu mestre.

Encontro um casulo ali mesmo, um pouco mais abaixo, e olhando para trás, surpreende-me a distância percorrida. Oiço o motor a trabalhar e lá de dentro saiem três soldados que correm pelo lado esquerdo do inferno junto as paredes do purgatório. São alvos perfeitos de quem se esqueceu das flores em punho. Oiço o zumbir e o estalar das balas que se encontram com a parede e estilhaçam uma quase vida. Instintivamente levo a mão à cintura e rasgo o silêncio do meu espaço com o premir do gatilho da minha arma de segurança pessoal. O fogo saiu do cano de aço gélido por seis vezes, e um crime perfeito ganhou forma.

Seguros e ofegantes por terem de correr um longo espaço que os separava da minha silhueta, olham-me sem as palavras soltas de espaços e exclamações, descongeladas pelo calor de quem atravessara o inferno, e sinto-me graça das suas orações.

Escuto o vento sem arranhões e sei que é chegada a hora de partir em busca de quem me faz falta.

([sim estou de volta] Continua...)

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